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‘Espadódromos’ e fiscalização do Exército: a luta de associações baianas para legalizar a guerra de espadas

Tão temidas como admiradas, as guerras de espadas já começaram a abrilhantar as noites juninas do interior baiano. A proibição da prática, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, não impede que os espadeiros tomem as ruas de municípios onde a tradição é passada de pai para filho. Ciente dos riscos da fabricação clandestina, associações de espadeiros lutam pela regulamentação.

Senhor do Bonfim, no centro-norte, é uma das cidades onde a tradição se fortalece com o passar dos anos. No último dia 17, uma reunião realizada na Câmara de Vereadores do município discutiu a regularização da fabricação das espadas e a criação de um espaço reservado para a exibição – os “espadódromos”. O encontro foi promovido pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), contrário às guerras, a pedido do Conselho de Política Cultural da cidade.

Alex Barbosa, presidente da Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim (ACESB), reconhece a necessidade de diálogo, mas critica a postura proibicionista do MP-BA. “O primeiro passo é regulamentar a fabricação da espada, para que o Exército fiscalize. O problema é o entendimento que o Ministério Público tem de que a espada é uma arma, um explosivo, por isso, foi enquadrada na lei do desarmamento. Na verdade, as espadas são fogos de artifício”, defende o representante.

As espadas são feitas artesanalmente com pólvora, limalha de vidro e barro. Para fugir da fiscalização da polícia, a fabricação tem deixado o centro das cidades e sido feita em propriedades da zona rural. Uma dúzia do produto custa entre R$300 e R$400. Mas, a depender da quantidade de pólvora – que garante a potência dos feixes de luz e os riscos aos espadeiros – o preço pode ser maior.

A ACESB tentou, em junho do ano passado, permitir que os espadeiros fizessem as guerras de espada em três ruas de Senhor do Bonfim: Costa Pinto, Júlio Silva e Barão de Cotegipe. Uma liminar chegou a acatar o pedido, mas foi suspensa no dia seguinte. A ideia era transformar as ruas em “espadódromos” à céu aberto, para que a prática não se espalhasse pelo município durante o São João.

No sábado (14), uma mulher foi presa em flagrante, em Senhor do Bonfim, por venda ilegal de espadas. A Polícia Civil apreendeu 73 unidades do produto. A cerca de 330 quilômetros da cidade, em Cruz das Almas, a apreensão foi ainda maior: 552 espadas. Elas estavam prontas para a venda e o dono dos itens foi preso em flagrante.

A guerra de espadas foi proibida em Cruz das Almas em 2011, como conta o procurador do município Mauro Teixeira Barreto. A partir dos pedidos de proibição do MP-BA à Justiça baiana em várias cidades, a prática foi sendo impedida de maneira espalhada. Até que em 2019, o Supremo Tribunal Federal manteve a decisão de uma liminar que proibia a guerra.

“Desde 2011, a Justiça entende que a fabricação e a queima de espadas se enquadram nos crimes previstos pelo Estatuto do Desarmamento. A partir da proibição, o Ministério Público e as polícias Civil e Militar passaram a fazer a fiscalização e apreensões no município”, explica o procurador Mauro Teixeira Barreto.

Segundo o Ministério Público, as espadas se encaixam na proibição por serem artefatos com mais de 8 gramas de pólvora ou “materiais explosivos”. “Em Senhor do Bonfim, por exemplo, a média do peso bruto das espadas apreendidas é de 800 gramas de pólvora, conforme atestado por laudos do Departamento de Polícia Técnica e parecer do Exército do Brasil”, diz o órgão, em nota. O MP-BA não indicou porta-voz para comentar o tema.

“Dentre os riscos provocados pelas espadas, estão a integridade física dos participantes dos festejos juninos, bem como o risco de danos ao patrimônio, causados pelos explosivos, além de cercear o direito de ir e vir dos demais participantes dos festejos”, continua o MP-BA, em nota. Os fogos de artifício já causaram 5 mil internações nos últimos 10 anos no estado, segundo o órgão.

Quem apoia a legalização defende que a regulamentação pelo Exército tornaria a prática mais segura, além de potencializar a economia dos municípios. “Muitos fabricantes têm buscado a zona rural para não ter problemas. Reconhecemos que existe risco na fabricação, por serem materiais inflamáveis, que requerem atenção e cuidado. O período do São João é quando a economia da cidade fica mais aquecida pelos visitantes que vêm ver as espadas”, diz Aldo Brandão, presidente da Associação Cultural de Espadeiros de Governador Mangabeira.

O Ministério Público recomendou que a prefeitura da cidade adote providência para impedir o uso das espadas durante o São João e os festejos de Dois de Julho. Em nota, a prefeitura de Governador Mangabeira disse que “os moradores são orientados a não portar, utilizar ou comercializar espadas durante as festividades”.

A guerra de espadas também atrai moradores de Salvador. Na noite de quarta-feira (19), a Polícia Militar foi acionada para atender uma ocorrência de tiroteio na Avenida San Martin. Ao chegarem ao local, os policiais se depararam com a guerra de espadas. Vídeos que circularam nas redes sociais mostram os fogos invadindo a via onde carros e ônibus trafegam.

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