Editorial Bob Marley 80 anos: Por que sua voz ainda ecoa em tempos atuais
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Oito décadas após seu nascimento e mais de quatro desde sua morte prematura, Bob Marley permanece não apenas um ícone musical, mas uma figura cuja influência transcende fronteiras, gerações e culturas. Seu legado, celebrado nesta quinta-feira, 6, com eventos em todos os continentes, levanta uma questão necessária: por que sua mensagem de amor, resistência e unidade ressoa tão profundamente em um mundo fragmentado por conflitos, desigualdades e polarizações?
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A resposta está na essência atemporal de sua arte. Marley não foi apenas um artista que popularizou o reggae; ele transformou a música em um manifesto político e espiritual. Em tempos de guerras, crises climáticas e ascensão de discursos de ódio, suas letras – como “One Love”, e “Redemption Song” – soam menos como nostálgicas e mais como proféticas. Elas nos lembram que a luta por justiça não é um capítulo do passado, mas um compromisso diário.
Não é coincidência que seu álbum coletânea “Legend” continue sendo o mais vendido da história do reggae, ou que jovens de países tão distintos quanto Brasil, Noruega e África do Sul ainda se identifiquem com sua defesa da liberdade. Marley falava de opressão colonial, racismo e pobreza, temas que, infelizmente, permanecem atuais. Sua música não apenas denunciava, mas oferecia um caminho: a união como antídoto para a violência.
A celebração de seus 80 anos, marcada por corais globais, documentários e até reinterpretações de seus clássicos em playlists digitais, revela outro aspecto crucial de seu legado: a capacidade de adaptar-se sem perder a autenticidade. Em um mundo onde artistas são descartáveis e trends duram minutos, Marley sobrevive porque sua voz carrega uma verdade incômoda, porém necessária. Ele não temia confrontar sistemas de poder, mas fazia isso sem perder a esperança – algo raro em uma era dominada pelo cinismo.
É sintomático que, mesmo após sua morte, ele continue a influenciar não só a cultura pop, mas também movimentos sociais. Sua defesa do Rastafarianismo, por exemplo, abriu diálogos sobre espiritualidade anticolonial, enquanto seu ativismo inspira coletivos antirracistas de Londres a São Paulo. Até mesmo seu rosto, estampado em camisetas de adolescentes que talvez nunca tenham ouvido um álbum completo, virou símbolo de ‘rebeldia pacífica’.
No entanto, o risco de reduzir Marley a uma figura decorativa existe. Sua mensagem não pode ser trivializada como mero “positivismo” ou “vibração boa”. Sua arte nasceu da dor – da pobreza de Kingston na Jamaica, da violência política, do câncer que o levou aos 36 anos. Celebrá-lo, portanto, exige mais do que reproduzir seus sucessos: demanda engajamento com as causas que ele defendia.
Neste aniversário, enquanto o mundo canta “Get Up, Stand Up” (levante-se, lute), cabe perguntar: estamos de pé? Ou nos acomodamos em um conforto individualista, distante da urgência coletiva que Marley pregava? Sua voz ecoa não porque o mundo mudou, mas porque, em muitos aspectos, ainda resistimos a mudar. Que os 80 anos de Bob Marley sirvam menos como um memorial e mais como um chamado.
#RevistaRecôncavo | conteúdo Ivan Cerqueira