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‘Caminhoneiro não é burro e sabe fazer conta’, diz representante sobre novo auxílio

A aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que cria um auxílio de R$ 1.000 para caminhoneiros e um benefício para taxistas, promulgada pelo Congresso na quinta-feira (14), divide opiniões de trabalhadores e representantes das duas categorias.

Enquanto para alguns a medida ajuda a equilibrar as perdas na receita, para outros ela tem um caráter eleitoreiro e camufla um problema maior: a alta no preço dos combustíveis.

A medida libera o pagamento de cinco parcelas do benefício para caminhoneiros autônomos inscritos até 31 de maio no RNTRC (Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas). No entanto, a forma de pagamento ainda precisa de regulamentação.

Os motoristas de táxi cadastrados até 31 de maio de 2022 terão direito ao benefício após regulamentação da forma de pagamento. Será necessário apresentar o documento de permissão. Segundo nota oficial do Ministério da Cidadania, o vale-taxista será de R$ 200 mensais, mas os ministérios do Trabalho e da Economia não quanto cada taxista receberá.

Wallace Landim, conhecido como Chorão –um dos principais líderes da greve dos caminhoneiros de 2018–, diz que a criação de um voucher é uma medida eleitoreira e uma tentativa antecipada de o presidente Jair Bolsonaro (PL) “comprar votos” da categoria.

“Mas o caminhoneiro não é burro e sabe fazer conta”, diz. O valor de R$ 1.000 é irrisório para o profissional que atua no transporte rodoviário de carga e beneficia apenas motoristas de veículos leves, afirma.

“O que a gente pede para o governo federal é que eles tenham a responsabilidade e a coragem de retirar o PPI [Preço de Paridade de Importação] e que a agência reguladora responsável fiscalize a lei 13.703. Isso sim, ajudaria muito a categoria”.

A lei 13.703, sancionada em agosto de 2018, após a greve da categoria que parou o país, institui uma política nacional do Piso Mínimo do Frete.

Caminhoneiro autônomo há 17 anos, Salvador Edmilson Carneiro, 51, diz que a medida não ajuda a categoria e tenta apenas mascarar a disparada no preço do diesel. Morador de Riachão do Jacuípe, região metropolitana de Feira de Santana, na Bahia, ele conta que precisou encostar o caminhão, pois com o litro do diesel a R$ 7,40 não está mais compensando fazer fretes.

“A maioria dos caminhoneiros vai quebrar e dar auxílio não adianta, R$ 1.000 por mês para quem gasta R$ 2.000 por dia só de diesel não resolve”.

Caminhoneiro autônomo e diretor da CNTTL (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística), Carlos Alberto Litti Dahmer diz que o benefício não resolve o problema dos caminhoneiros e que a medida tem apenas interesses políticos.

“Isso é ridículo, caminhoneiro não precisa de esmola. É preciso resolver o problema do preço do combustível, dando dignidade não só para o caminhoneiro, mas também para o restante da população. Dar R$ 0,30 de redução no preço do diesel significa muito mais do que R$ 1.000 mensais”, diz.

AUXÍLIO VAI ADIAR SAÍDA DA PROFISSÃO

Presidente da ANTB (Associação Nacional de Transportes do Brasil), José Roberto Stringasci é contrário à proposta que institui um benefício temporário para os caminhoneiros e diz nunca ter imaginado que a categoria fosse, um dia, precisar de benefício do governo para trabalhar.

No entanto, ele afirma que o valor será útil para dar uma sobrevida aos trabalhadores que estão abandonando a profissão por conta da alta no preço do combustível.

“Tem muitos motoristas quebrados, quase parando de trabalhar. Para alguns deles, esse dinheiro vai ajudar. Vai ser a tábua salva-vidas até dezembro”, diz. “Só que em janeiro, se cortar o benefício, é bem provável que ele pare de trabalhar”.

Stringasci diz que este é o pior momento vivido pela categoria e acredita que uma mudança na política de preços dos combustíveis poderia ser uma solução. Apesar de útil para alguns, o vale-caminhoneiro de R$ 1.000 não seria suficiente para equilibrar os gastos, afirma o presidente da associação.

Ele calcula que o caminhoneiro de transporte rodoviário percorre, em média, 600 quilômetros por dia e que o consumo diário do caminhão fique em torno de 300 litros de óleo diesel. “Se a gente considerar o preço do litro do diesel a R$ 7, isso dá R$ 2.100 por dia. Aí, ele vem com um auxílio de R$ 1.000, chega a ser brincadeira”.

PARA TAXISTAS, BENEFÍCIO DEVE ALIVIAR OS GASTOS

O presidente do SindiTaxi (Sindicato dos Taxistas de São Paulo), Luiz Carlos Capelo, diz que tudo o que vier para melhorar a situação financeira dos taxistas é bem aceito.

Há 40 anos como taxista, Capelo também afirma que o momento atual é um dos piores para os profissionais do ramo, por conta da concorrência com motoristas de aplicativo e com motoristas clandestinos, além do preço do combustível.

“Já passamos por crises antes, mas nunca desse porte. Hoje em dia, para encher o tanque de um carro de 40 litros com gasolina se gasta R$ 245. Para quem trabalha de 8 a 15 horas por dia, acaba com um tanque de combustível por dia”.

Além do auxílio para taxistas, a PEC Kamikase prevê repasse de recursos para evitar aumento de preços no transporte público e subsídios para o etanol.

O motorista Alecsandro Reis Balbino, 49, que diz ser um dos poucos taxistas legalizados no município de São Gonçalo do Sapucaí, região sul de Minas Gerais, é favorável ao novo auxílio.

Há 28 anos na profissão, ele avalia que a categoria enfrenta uma grande dificuldade com a alta no preço dos combustíveis e com a concorrência com os motoristas que atuam dentro e fora dos aplicativos.

“Do jeito que a gente [taxistas] está hoje, tudo o que vier será bem-vindo. Existe muito motorista clandestino e a concorrência é desleal. Então, se não vier esse benefício vai ficar difícil de trabalhar”.

Também há quem discorde da liberação do benefício. Taxista há três anos, o motorista Henrique Ribeiro de Souza, 39, diz ser contra à medida que cria o vale-taxista e que deixa de fora muitas outras categorias de trabalhadores.

“É uma ação totalmente populista. Mas, a gente tem que pensar no que esse dinheiro representa. Para mim, ele representa um cala a boca pra gente não reclamar do leite caro e da gasolina cara”.

Foto: Daniel Verpa
Felipe Nunes/Folhapress

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